Conceito solidão

sexta-feira, 8 de julho de 2011

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O que nos faz sentir que estamos sós?
Acredito que este seja um estado muito comum em nosso tempo. A impressão que tenho é que as pessoas não foram acolhidas e educadas para o contato consigo mesmas. Gilberto Safra comenta o quanto algumas pessoas não têm “experiência de lugar”. É como se dentro delas não houvesse um espaço para entrarem, silenciosamente, em conexão com essa dimensão mais íntima do próprio ser. Lembro-me que, certa vez, quando atuava em uma comunidade, e minha função era atender às mais diversas pessoas, vieram me perguntar se poderia falar com uma menina de 8 anos, que não estava com os pais, mas viera com uma de suas vizinhas. Respondi que sim, claro. Mas qual não foi minha surpresa quando aquela criaturinha me expôs sua questão. Disse-me ela: “eu me sinto tão só!” É evidente que quase caí da cadeira!
Na época, fui explorando com ela o motivo desse sentimento. Ficava com os avós, pois a mãe casara-se com outra pessoa, e não a levara para morar consigo. Enfim, tivemos outros contatos e me pareceu que não apenas o seu sentimento, mas a relação com seus avós se transformou e, com o tempo, com a sua mãe também.
Hoje, no consultório, muito freqüentemente, convido os meus pacientes a criarem um espaço de aconchego, dentro de si próprios, um jardim – que por ser de cada um, que por ser íntimo – o chamo de sagrado. Eles, de uma maneira geral, vão se acostumando a comungar com esse espaço e, paulatinamente, a descortinar cenas, imagens e mensagens às quais nunca haviam prestado atenção. Assim, vão se aventurando nessa casa interior que, por não ter sido notada, não era habitada. Quando estava redigindo esse texto, soube de jovens, no Rio de Janeiro, que atacaram prostitutas e travestis, e verbalizaram que não tinham a intenção de agredir, inclusive pediram desculpas às vítimas. O pai de um deles disse se tratar de uma brincadeira de crianças, o que, a seu ver, não merecia punição.
Esse fato, que infelizmente não é isolado, mas representa uma série de outros que têm se reprisado, parece revelar que estamos diante de uma questão muito séria: quem somos nós? E mais, o que nos faz pensar que brincar com algo que pode assustar ou ferir o outro nada tem a ver conosco, e é uma brincadeira como outra qualquer? O fato de nos sentirmos tão desligados, tão distanciados do outro, enquanto alguém que, como nós, vive , ama, tem fome, sede, e que também procura “um lugar”, um lugar para ser, ser melhor. Isso tudo é muito preocupante, enquanto fato social.
Fico pensando o quanto esses jovens, tal como aquela criança, não têm um lugar dentro de si, não aprenderam e, talvez, não se interessem em aprender a refletir sobre como seu destino se liga aos dos outros, ou seja, descobrir e conviver com a constatação do quanto somos interdependentes. Será que se dão conta de que iniciam um movimento onde eles mesmos podem ser também vítimas? Como seria se outras crianças resolvessem brincar com o mesmo jogo, mas com esses jovens? Afinal, um jogo pressupõe que os parceiros troquem de papéis.



A dinâmica invisível das relações: um pouco de história
O quanto não se fala e não se investe no conhecimento sobre as redes invisíveis às quais todos nós pertencemos, o quanto não se explora esse implacável interjogo homem/mundo. E aquilo de que não se fala, parece não existir. Se as dificuldades na relação não são verbalizadas, quer dizer que não existem? Parece não termos acesso a nossa própria profundidade. Lembro-me da história do som do silêncio. Um rei desejava que seu filho fosse um grande homem e, por esse motivo, o envia a uma mestra. Esta lhe pede que vá até a floresta e ouça todos os sons e volte depois de um ano para lhe relatar. Ele descobre sons maravilhosos dos quais nunca se havia dado conta: o farfalhar das folhas, o cantar dos pássaros, enfim. No entanto, ao relatar à mestra esta lhe pediu que voltasse e ouvisse todos os sons que pudesse. Intrigado, porém obediente, o príncipe retorna à floresta. Continua ouvindo os mesmos sons. Até que, após apaziguar o seu coração, quando o sol nasce começa a ouvir a própria respiração e, em seguida, sons maravilhosos, nunca antes notados. Ele espera para ter certeza, antes de procurar novamente a mestra. Certifica-se calmamente.
Ao chegar até ela, relata, humilde e pacientemente, que ouvira o som de uma flor nascendo, o seu som ao sorver o orvalho que nela ficara durante a noite, o som do sol aquecendo a terra... ao que a mestra complementa, dizendo que esses são os sons inaudíveis, pois o homem começa a perder o espírito quando se atém apenas ao som das palavras, sem escutar que mensagens elas trazem ao seu coração... Quem passa a ouvir o coração das pessoas, torna-se uma pessoa confiável porque compreende o que o outro sente e necessita! Não é preciso dizer que esse príncipe tornou-se um sábio rei, e houve muita prosperidade em seu reino e a gente de seu reino foi muito feliz.
Talvez devêssemos pensar se estamos nos esquecendo de refletir sobre o quanto as brincadeiras servem como meio de socialização: dividir, cooperar, trabalhar, competir em um nível lúdico, sensibilizar-nos com nossos companheiros, enternecer-nos, lidar com as diferenças, mas também obedecer regras de convivência, de lealdade e respeito. Quando os limites externos não são suficientemente internalizados, não há contenção dos próprios impulsos, e inicia-se um processo de pequenas transgressões que podem, gradativamente, ir se engrandecendo. Foi isso o que William Bratton percebeu ao atuar em Nova York, quando o índice de criminalidade era altíssimo. Suas pesquisas concluíram que os grandes crimes iniciavam-se com as pequenas infrações como, por exemplo, pular - por brincadeira - uma catraca, e não obter nenhuma punição...



O mal de nosso tempo: a falta de acolhimento
Acredito, ainda, que um dos males do nosso tempo seja o fato de crianças, desde pequenas e independentes da classe social, aprenderem a crescer sós. É comum a própria mãe solicitar à babá de seu filho que preste informação sobre o mesmo à psicóloga, quando esta lhe solicita uma entrevista. Muitas vezes, parece não haver pessoas por perto para com um olhar terno, uma presença firme, poder ser referência, ser o que os psicólogos sociais, da linha Pichoniana, chamam de Interlocutor Suporte. Aquela, ou aquelas, pessoas que ficam como um modelo interno, um guia que pode nos amparar e iluminar nosso mundo interior, quando diante de borrascas ou decisões importantes. Parece que acalentar a cria está fora de moda. Só que essa cria cresce, e acha que viver é isso!
Esquecemos de oferecer aquele bálsamo que temos dentro de nós, e que é tão importante. Aquele bálsamo que encontramos no nosso amigo, quando ele simplesmente fica ao nosso lado, ainda que em silêncio. Aquela pessoa importante para nós - seja pai, mãe ou quem exerça a função paterna ou a função maternante - que dá limites e mostra que não, não se pode agir de determinada maneira com o semelhante e, mais que isso, ele ensina com seu próprio exemplo, que fala muito mais que mil palavras. Mas fala de um lugar interno bom, construtivo, porém firme.
Embora reconhecer o erro doa - e muito! – ao estarmos diante de pessoas que, calorosamente, nos fazem repensar nossas ações, sentimos, junto com a dor, algo que nos aquece e nos fortalece para recomeçarmos a jornada, tão humana e tão fascinante, de auto-aprimoramento. É como se nos encontrássemos com alguém muito, muito querido - e tão procurado!-, mas absolutamente esquecido: o nosso eu verdadeiro, inteiro. E esse eu se torna cheio de ‘músculos’ quando percebe que tem algo que pode ser compartilhado, e que alimenta outros, isto é, deixa felizes outras pessoas. Afinal, a maturidade de um ser humano é percebida quando ele sente prazer em propiciar prazer ao outro, e não o prazer, simplesmente, por fazer do outro um joguete. Esse fato não ocorre apenas nos casos citados, mas, também, nas relações afetivas entre homens e mulheres.



A quem recorrer?
O ego fortalecido, do ponto de vista psicológico, não do ponto de vista popular, sabe administrar as demandas internas com as demandas do meio ambiente. Já o ego mais frágil, como por exemplo, sentir uma vontade imensa de obter prazer simplesmente pelo prazer, sem medir as conseqüências, evidencia uma fragilidade em se colocar no mundo com seus desejos, de maneira que os demais sejam percebidos e respeitados, assim como se exige o próprio respeito.
Quem não passou, ainda, pela experiência de poder “segurar a onda”, não só para salvar sua própria pele, mas também reconhecendo o bem comum, deve tentar. Afinal, a sabedoria vem da experimentação.
Nesse sentido, o acompanhamento terapêutico pode facilitar essa reconstrução, desde que o grupo familiar esteja disposto a refazer sua maneira de pensar no dia-a-dia. A inserção dessas pessoas na comunidade, com responsabilidades e acompanhamento, também pode resultar nelas uma mudança e, consequentemente, a criação de uma nova sociedade. Acho que todos nós deveríamos ficar mais atentos a essa “ferida”social, e encontrar ferramentas para, cada um a seu modo, colaborar na cura coletiva.



E agora?
Você já experimentou isso? Não? Que pena! Descobri-lo é deparar-se com a nossa HU-MA-NI-DA-DE, no sentido construtivo do termo! É, você pode optar por construir ou destruir o outro e, sem que você perceba, você mesmo. Você pode optar por se encontrar, assumir seus atos, responsavelmente, ou se distanciar de si próprio, e agir infantil e irresponsavelmente, como se não soubesse que uma parte sua quer fazer o que bem entende e outra quer muito dialogar e lhe perguntar: ei, até quando você vai achar que o outro não tem nada a ver com você?... Afinal, se um tsunami chegasse e você ficasse sem nada, será que você teria coragem de se olhar e ver quem é você? 

Referências Bibliográficas
PERDIGÃO, Andrea B. Sobre o silêncio. São Paulo: Ed Pulso,2005.
GIORDANO, Alessandra. Contar histórias: um recurso arteterapêutico de transformação e cura. São Paulo: Artes Médicas, 2007.
PICHON-RIVIÈRE, Enrique. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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